Estrangeiros que estudam na universidade falam sobre a vivência em terras brasileiras
Helen Lemos, João Paulo Pereira e Mariana Rodrigues
(helenlemos2@hotmail.com, pereirajp2005@hotmail.com, ufesmariana@yahoo.com.br )
Como se sente uma pessoa em um país que lhe é estranho? Como conviver com indivíduos que nunca viu e se alimentar com um novo tipo de comida? Foi essa curiosidade que levou o Universo Ufes a entrevistar Aline de Oliveira, Doris Henríquez, Helder Samora, Ivan Carvalho e Vanina Pereira. Aline cursa comunicação social na Ufes e o restante dos jovens, arquitetura e urbanismo. Com exceção de Doris, que é hondurenha, eles são provenientes de Cabo Verde, arquipélago situado a oeste da costa africana.
Os alunos optaram por estudar no Brasil por diferentes motivos. Ivan disse que veio para cá devido às afinidades culturais entre o Brasil e Cabo Verde e também porque é um sonho que tem desde criança. Vanina concordou com Ivan no que se refere às semelhanças culturais: “Cabo Verde faz parte dos países que falam português e isso facilita bastante a nossa adaptação”.
Na África, além de Cabo Verde, Angola, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe utilizam o português como idioma oficial. O português é a oitava língua mais falada do planeta. Conheça os países que falam o português no mundo.
Para Doris, o fato de falar espanhol dificultou a sua adaptação ao país. “Durante o primeiro ano em que morei no Brasil tive que fazer um curso de português para melhor me adaptar à nova realidade. Minha vida vivia em torno de quatro pessoas que eu conhecia, que falavam espanhol e que comiam a mesma comida que eu”, disse.
Os alunos afirmaram que, logo na chegada ao país, enfrentaram uma série de dificuldades burocráticas para regularizar a situação na Polícia Federal. Foi difícil também conseguir um lugar para morar. Conforme disseram, a sensação era de desamparo. “É muito complicado chegar a um país onde não se conhece ninguém. Nós nos sentíamos muito sós e não sabíamos como agir”, desabafou Dóris.
O preconceito é apontado como um outro obstáculo (Assista ao vídeo da entrevista), uma atitude que, segundo Vanina, é característica da maioria dos brasileiros. Doris entende que em Honduras há preconceito, mas ele é bem mais marcado no Brasil. Em seu entender, não é uma questão relacionada somente à cor da pele, mas também à origem estrangeira. “Na hora de uma seleção para estágio, quando a pessoa diz que é estrangeira, ela acaba sendo colocada no final da lista. Já perdi emprego para calouro, o que é ilógico porque a minha experiência é muito maior do que a dele”, contou.
Os africanos afirmaram que a alimentação é complicada devido às diferenças culturais. O prato típico brasileiro, por exemplo, é à base de arroz e feijão, que é servido quase todos os dias. Contudo, em seus países, os estudantes comem mais à base de peixe, com muitas verduras e não têm pratos padronizados diariamente. “No meu país (Cabo Verde), procuramos variar a alimentação”, disse Ivan.
Todos afirmaram sentir falta da terra natal. As datas comemorativas e a rotina diária são lembranças recorrentes, ou seja, “sente-se saudade daquilo que é mais simples”, concluiu Vanina. Por outro lado, “a distância da família e dos amigos de infância faz com que aprendamos a nos virar sozinhos. Acabamos por nos tornar independentes e, de certa forma, crescemos como ser humano”, disse Doris.
Assista ao vídeo da entrevista:
Algumas particularidades da língua
Embora tenham passado por dificuldades, os alunos disseram que também já viveram histórias engraçadas, muitas ocorridas devido às variações do português. Palavras que no país de origem tem um significado, no Brasil podem ter um sentido bastante diferente.
Ivan contou que, certa vez, um colega recém-chegado de Cabo Verde foi ao Restaurante Universitário (RU). Chegando lá, assustou-se com o tamanho da fila e repetia em alta voz que a “bicha” (fila) estava muito grande. Quando percebeu o que estava dizendo, ficou constrangido. “Falar que a bicha está muito grande pega mal aqui”, disse sorrindo.
Vanina declarou ter ficado quase um ano sem comer misto-quente porque não sabia como pedi-lo nas cantinas. “Em meu país, chamamos o misto-quente de tosta”, afirmou. E aponta outros embaraços: “outro dia, fui à papelaria e pedi à atendente um negócio que une dois papéis. Ela me trouxe uma cola. Eu disse que não era aquilo, que era de metal. Ela veio com um clipe. Então, comecei a movimentar as mãos imitando um ‘agrafador’. Quando estava quase desistindo, ao sair da papelaria, vi o bendito ‘agrafador’ e mostrei a ela. É isso aqui! O que os brasileiros conhecem como grampeador, em Cabo Verde, chamamos de ‘agrafador’. Se eu não tivesse visto o objeto, iria ficar horas e horas lá na papelaria”, contou.
Medo de vir para o Brasil
Em Cabo Verde, conforme Ivan, uma das emissoras de televisão de maior audiência é a Record. Ele fala que a população assiste muito ao programa Cidade Alerta e nele se noticia tantos casos de violência que seus pais e parentes chegaram a pedir que ele não viesse estudar no Brasil. “Existe até uma piada muito comum em Cabo Verde. A mãe chega para o filho e diz: ‘vá para o Brasil, mas não vá para essa cidade alerta‘. A mãe pensava que ‘Cidade Alerta’ era realmente uma cidade”, lembrou-se Vanina sorrindo.
Aline de Oliveira, estudante de comunicação social, disse que, em relação aos seus colegas, a vinda para o Brasil foi mais tranqüila porque ela possuía duas irmãs que já estudavam aqui e conheciam a realidade do país. Mas o seu irmão desistiu de vir para cá após ter assistido a algumas notícias veiculadas pelo Cidade Alerta. “Ele resolveu estudar em Portugal”, declarou.
Doris ouviu muitas pessoas dizerem que havia muitos casos de Aids no Brasil, e isso a deixou assustada. Diziam até que havia uma espécie de agulha que contaminava qualquer indivíduo. “Eu sei que isso é ilógico, mas, no avião, antes de sentar, eu apalpei primeiramente a poltrona para observar se não havia nenhuma agulha. Só assim não correria o risco de ficar contaminada. Hoje, estou bem mais tranqüila em relação a esses boatos”, declarou.
Programa Estudante Convênio de Graduação (PEC-G)
Todos os entrevistados estudam na Ufes por meio do Programa Estudante-Convênio de Graduação (PEC-G). Criado na década de 20, o PEC-G é ofertado a alunos de países em desenvolvimento com os quais o Brasil mantém acordos de cooperação sejam culturais, educacionais ou tecnológicos. O programa permite que alunos dessas nações cursem gratuitamente a graduação nas universidades conveniadas do país.
Anualmente, as universidades brasileiras fazem um levantamento das vagas disponíveis para o programa e informam ao Ministério da Educação (MEC) — não são aceitas vagas para cursos noturnos e para os que ainda não foram reconhecidos. A partir daí, o MEC encaminha a quantidade de vagas disponíveis às embaixadas brasileiras dos países conveniados. As embaixadas, então, recebem as inscrições dos candidatos e o MEC se encarrega de selecionar os alunos, que devem possuir condições financeiras de se manter no país.
Hoje, 42 estrangeiros estudam na Ufes pelo PEC-G. De acordo com o diretor do Departamento de Apoio Acadêmico ao Estudante (DAAE), Mário Cláudio Simões, a maioria é proveniente de países africanos de língua portuguesa.
Acompanhamento dado pela Ufes não é suficiente
O professor Mário Cláudio disse que atualmente existe uma recepção geral logo na chegada desses estudantes à universidade. Citou igualmente que a Secretaria de Assuntos Comunitários (SAC) fornece um acompanhamento psicológico, embora não feito com muita freqüência. O professor admite que essas ações ainda não são suficientes: “no semestre passado, solicitamos à SAC que as reuniões ocorram mais vezes. Esse acompanhamento cultural é muito importante para a melhor adaptação dos estrangeiros”, enfatizou.
Ivan contou que alguns amigos chegaram a ficar 15 dias comendo pão e bebendo água ou suco devido à dificuldade de se adaptarem à comida brasileira. Então, participaram das reuniões junto à SAC para tentar minimizar o desconforto da situação.
Planos para o futuro
Os universitários pretendem voltar para seus países e Doris explica porquê: “mesmo sendo um país de pessoas hospitaleiras, sente-se falta da família, dos hábitos e é difícil abrir mão disso”. No caso de Ivan, ele disse que volta para Cabo Verde, mas só depois de cursar o mestrado no Brasil. “A minha profissão no Brasil é muito concorrida. No meu país, acho que consigo emprego mais rápido porque falta mão-de-obra qualificada na área de arquitetura”, disse.
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